quinta-feira, 12 de março de 2009

Soneto XVII

Soneto XVII

Para Ivo Barroso, poeta e tradutor de Shakespeare.

Amor se finge em versos, e quem há-de

Dar crédito? Vocábulos medidos
À régua dos engenhos são metidos
À besta, não nos dizem a metade

Dos golpes que vão dentro. Bem verdade
Que agradam degradados e perdidos,
Iludem-nos com música. Contidos,
Não têm o descontrole e a liberdade,

Essência para a dor e seus impulsos
Molestos. Esses versos são de nada.
Ocultam-nos silêncios em delícia,

Os erros necessários ao convulso
Dislálico no vórtice da amada,
Os urros e os sussurros da malícia.


(Cada vez a poesia "atinge" menos leitores, seja porque recorre a uma linguagem que em última instância a elitiza ou a marginaliza, seja pela sua atual incapacidade de atingir aquilo que parece o fim precípuo dessa arte: o poder de emocionar, de tocar uma corda sensível do leitor e tirá-lo, ainda que por brevíssimos instantes, do fulcro habitual em que vive e pensa. A maior parte da produção poética de nosso tempo nada tem a ver com a poesia propriamente dita: é prosa ruim ou letra de música ou abjeções destinadas ao vaso sanitário. Além disso há uma persistência inexplicável por métodos que de há muito se revelaram inócuos. Tenho engulhos quando leio poemas com trocadilhos ou jogos de palavra aleatórios tipo pá/lavra e quejandos. Há gente que ainda hoje usa recursos concretistas pensando que está fazendo poesia "avançada"...
) - Ivo Barroso, em entrevista.

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