sexta-feira, 31 de julho de 2009

O único soneto de Caeiro, ó pá

Boizinho, lá do sítio Baixaki, trabalhado em Photo Scape por Thaís Pimenta
Alberto Caeiro, o «mestre», em torno do qual se determinam os outros heterónimos, nasceu em Abril de 1889 em Lisboa, mas viveu grande parte da sua vida numa quinta no Ribatejo onde viria a conhecer Álvaro de Campos. A sua educação cingiu-se à instrução primária, o que combina com a simplicidade e naturalidade de que ele próprio se reclama. Louro, de olhos azuis, estatura média, um pouco mais baixo que Ricardo Reis, é dotado de uma aparência muito diferente dos outros dois heterónimos. É também frágil, embora não o aparente muito, e morreu, precocemente (tuberculoso), em 1915. O mestre é aquele de cuja biografia menos se ocupou Fernando Pessoa. A sua vida foram os seus poemas, como disse Ricardo Reis: «A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nela mais de que narrar. Seus poemas são o que houve nele de vida. Em tudo o mais não houve incidentes, nem há história».(in Páginas Íntimas e Auto Interpretação, p.330). - Mais em http://www.fpessoa.com.ar/


O único soneto de Caeiro, ó pá

Além da Natureza não há nada...
Há! Homem que, doente do bestunto,
Cogita com o seu senso de defunto
E crê que haja Jesus numa camada

Etérea, a circunstância dominada,
De lá, luminiscências... Mas, pergunto,
À parte este egoísmo desconjunto
Que é de mim e de Deus e da mamada,

Que há? No pastoreio de mancheias
As ervas e as gramíneas sem doutor
À boca dos boizinhos, suas cheias

Ilhargas, donde estrumam com fedor
O pó de humanidades para as ceias
Dos vermes, ao sorriso guardador.


(E a série infindável de exercícios de admiração continua, ó pá!)
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