domingo, 24 de maio de 2009
Tirando um fino do obituário
Algumas interjeições de dor
Uma vidente me previu um acidente.
Eu fui imprevidente, a cabeçorra
perdi e me esqueci daquela porra.
No fim, o tornozelo, o queixo, os dentes
se lembram com a porrada de repente;
no poste, na madruga, sangue e zorrra
que jorram... E o desmaio... Não que eu corra,
lentinho tava o fusca, é que a Serpente,
Prudente para As Artes, me requebra
nas ancas o seu dom de mundanal
folia, e me penetra como um dardo,
e o Fado me destina alguma quebra,
sutura, quase a vértebra no pau,
mas não, não foi o fim deste bom bardo.
Tempos depois...
No pé três parafusos por meu zelo,
por fora o robofoot imobiliza...
Fui dar de cara a um poste: o tornozelo
partiu-se em pedacicos à pesquisa.
O queixo no volante em atropelo
cortou-se horripilante, e o parabrisa...
Cadê? Tava no chão! Como rompê-lo?
Não sei, nem vou tentar, que aterroriza.
Agora tô legal, faz mais de um mês,
e passam ligeirinho na ampulheta
as dores deste estúpido freguês.
O tempo cicatriza à malagueta,
e o mal, pois, se dirige à sensatez
do bem, em companhia de muletas.
Todas as noites são longas
Eu temo pela noite, em abandono;
eu tomo Pasalix e Rivotril;
eu tento então dormir mas não há sono;
eu choro pela dor e porque é vil;
eu, trêmulo de insônia, não abono;
eu testo o meu limite e me esvazio;
detesto deste corpo quem for dono;
eu mando tudo à puta que o pariu!
Nervoso, vou cedendo ao bom combate!
Se a fórmula tem preço, meu, eu pago!
Careço de uma ausência curandeira!
Eu lembro de mamãe e algo me bate:
o sol já vem nascendo quando apago
com o clássico chazinho de cidreira.