Charles Baudelaire
“Já se disse, e não sem razão, que Baudelaire é o mais misterioso dos poetas da literatura ocidental. E esse mistério pode, em parte, ser decifrado: ele nasce de um sistema de tensões, de um sortilégio que se estabelece entre o quê e o como da expressão poética, que resulta no amálgama perfeito entre a emoção e o rigor formal, é a precisão de uma arte de joalheiro, de uma ourivesaria que pressupõe a frieza extrema, o cálculo, a precisão, e que apesar disso manifesta-se como a mais pungente expressão de uma dor e de um júbilo sem limites. A arte de Baudelaire é, por assim dizer, a consumação verbal do indizível.” - Ivan Junqueira
Por atrevimento e como forma de, copiando os mestres, me exercitar um bocadinho em línguas outras e estilos que admiro, por vezes, heroicamente apresento a meus leitores (os seis ou sete que insistem) uma tradução. Agora, portanto, o herói fracassado apresenta-lhes um pouco do “indizível” de Charles Baudelaire.
- Henrique Pimenta
A prece de um pagão
Não deixes esfriar tua chama!
Minha alma entorpecida aquece,
Volúpia, inferno de quem ama!
Escuta, diva, a minha prece!
Deusa no espaço derramada,
Flama que dentro em nós desperta,
Atende a esta alma enregelada,
Que um brônzeo cântico te oferta.
Volúpia, abre-me a tua teia,
Toma o perfil de uma sereia
Feita de carne e de veludo,
Ou verte enfim teu sono mudo
No vinho místico e disforme,
Volúpia, espectro multiforme!
“Já se disse, e não sem razão, que Baudelaire é o mais misterioso dos poetas da literatura ocidental. E esse mistério pode, em parte, ser decifrado: ele nasce de um sistema de tensões, de um sortilégio que se estabelece entre o quê e o como da expressão poética, que resulta no amálgama perfeito entre a emoção e o rigor formal, é a precisão de uma arte de joalheiro, de uma ourivesaria que pressupõe a frieza extrema, o cálculo, a precisão, e que apesar disso manifesta-se como a mais pungente expressão de uma dor e de um júbilo sem limites. A arte de Baudelaire é, por assim dizer, a consumação verbal do indizível.” - Ivan Junqueira
Por atrevimento e como forma de, copiando os mestres, me exercitar um bocadinho em línguas outras e estilos que admiro, por vezes, heroicamente apresento a meus leitores (os seis ou sete que insistem) uma tradução. Agora, portanto, o herói fracassado apresenta-lhes um pouco do “indizível” de Charles Baudelaire.
No mais, acrescentei a impecável tradução do Ivan Junqueira e, também, umas outras, para quem quiser se aventurar em "acareações"...
A prece de um pagão
Não te deixes as chamas calmas!
Ao fogo, o meu torpe caqui!
Volúpia, tortura das almas!
Diva! suppplicem exaudi!
Deusa nos ares convertida,
Flama que é de nossa tez, agra,
Cumpre n’alma de frio vida,
Canto de bronze te consagra!
Volúpia, sê minha rainha!
Mascara-te em sereiazinha
Com corpo de carne e veludo,
Ou verte-me teu sono mudo
Em vinho de monge e chiclete,
Volúpia, fantasma que flete!
A prece de um pagão
Não te deixes as chamas calmas!
Ao fogo, o meu torpe caqui!
Volúpia, tortura das almas!
Diva! suppplicem exaudi!
Deusa nos ares convertida,
Flama que é de nossa tez, agra,
Cumpre n’alma de frio vida,
Canto de bronze te consagra!
Volúpia, sê minha rainha!
Mascara-te em sereiazinha
Com corpo de carne e veludo,
Ou verte-me teu sono mudo
Em vinho de monge e chiclete,
Volúpia, fantasma que flete!
- Henrique Pimenta
A prece de um pagão
Não deixes esfriar tua chama!
Minha alma entorpecida aquece,
Volúpia, inferno de quem ama!
Escuta, diva, a minha prece!
Deusa no espaço derramada,
Flama que dentro em nós desperta,
Atende a esta alma enregelada,
Que um brônzeo cântico te oferta.
Volúpia, abre-me a tua teia,
Toma o perfil de uma sereia
Feita de carne e de veludo,
Ou verte enfim teu sono mudo
No vinho místico e disforme,
Volúpia, espectro multiforme!
- Ivan Junqueira, As Flores do Mal (RJ: Nova Fronteira, 1985, 6. ed.)
Modlitba pohanova
Ó Rozkoši, ty trýzni duší,
nic neochabuj v ohni svém,
hřej dál mé srdce, jež mráz kruší!
Exaudi, diva, supplicem!
Bohyně, jež jsi kol nás všady,
plameni v našem podzemí,
slyš duši, jež ti, zkřehlá chlady,
věnuje zpěv, jenž jasně zní!
Ó, buď mou kněžnou ustavičně!
Osvojuj si tvář nymfy sličné,
tak hebké jako aksamit,
či rač mi těžké spánky dštít
v mystickém pracujícím víně,
ó Rozkoši, ty pružný stíne!
- Svatopluk Kadlec (http://www.baudelaire.cz)
The Pagan's Prayer
Ah, damp not yet the living coals!
Heat once again my heart in thee!
Voluptuousness, thou scourge of souls,
Goddess, incline thine ear to me!
Spirit abroad in the bright air,
Flame in our dark and secret ways,
Freezing I bring thee — grant my prayer! —
A song of brass to bruit thy praise!
Siren, be still my sovereign; keep
Thy kingdom; wear thy mask, whose mesh
Is half of velvet, half of flesh!
Or pour me out thy heavy sleep,
In mystic and amorphous wine:
Phantom elastic and divine.
- Edna St. Vincent Millay, Flowers of Evil (NY: Harper and Brothers, 1936)
La prière d’un païen
Ah! ne ralentis pas tes flammes;
Réchauffe mon coeur engourdi,
Volupté, torture des âmes!
Diva! supplicem exaudi!
Déesse dans l'air répandue,
Flamme dans notre souterrain!
Exauce une âme morfondue,
Qui te consacre un chant d'airain.
Volupté, sois toujours ma reine!
Prends le masque d'une sirène
Faite de chair et de velours,
Ou verse-moi tes sommeils lourds
Dans le vin informe et mystique,
Volupté, fantôme élastique!
- Charles Baudelaire
Modlitba pohanova
Ó Rozkoši, ty trýzni duší,
nic neochabuj v ohni svém,
hřej dál mé srdce, jež mráz kruší!
Exaudi, diva, supplicem!
Bohyně, jež jsi kol nás všady,
plameni v našem podzemí,
slyš duši, jež ti, zkřehlá chlady,
věnuje zpěv, jenž jasně zní!
Ó, buď mou kněžnou ustavičně!
Osvojuj si tvář nymfy sličné,
tak hebké jako aksamit,
či rač mi těžké spánky dštít
v mystickém pracujícím víně,
ó Rozkoši, ty pružný stíne!
- Svatopluk Kadlec (http://www.baudelaire.cz)
The Pagan's Prayer
Ah, damp not yet the living coals!
Heat once again my heart in thee!
Voluptuousness, thou scourge of souls,
Goddess, incline thine ear to me!
Spirit abroad in the bright air,
Flame in our dark and secret ways,
Freezing I bring thee — grant my prayer! —
A song of brass to bruit thy praise!
Siren, be still my sovereign; keep
Thy kingdom; wear thy mask, whose mesh
Is half of velvet, half of flesh!
Or pour me out thy heavy sleep,
In mystic and amorphous wine:
Phantom elastic and divine.
- Edna St. Vincent Millay, Flowers of Evil (NY: Harper and Brothers, 1936)
La prière d’un païen
Ah! ne ralentis pas tes flammes;
Réchauffe mon coeur engourdi,
Volupté, torture des âmes!
Diva! supplicem exaudi!
Déesse dans l'air répandue,
Flamme dans notre souterrain!
Exauce une âme morfondue,
Qui te consacre un chant d'airain.
Volupté, sois toujours ma reine!
Prends le masque d'une sirène
Faite de chair et de velours,
Ou verse-moi tes sommeils lourds
Dans le vin informe et mystique,
Volupté, fantôme élastique!
- Charles Baudelaire