segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Pégaso, o coxo

Le cheval invisible ou Cheval blanc sur fond blanc


Pégaso, o coxo

         A dor que nos limita desenvolve-se, transcende sede, fome, desejo. Somos a gota que brota na pele de um cavalicoque espreitando o seu dia. O bicho não tem consciência, dizem, o bicho tem instinto, instinto de que vai morrer. Um fato, somente um fato, nem perguntemos quem haveria de tecer um necrológio, ou uma crítica com viés existencial ao descenso de um imperceptível cavalicoque, abandonado no meio do campo, coxo, tendo como legado sua própria sorte. Cecília, por exemplo, teceu um belíssimo poema. Cecília acreditou na morte e em algo para além da morte, fosse de uma desprezível besta cavalar, fosse de um animal mais reles ainda, bruto mesmo, um ser humano.
           Temo por nós, andadura claudicante de equídeos, meu pé e seu aleijão desconhecem incensos e torrões de cânfora que se esvanecem num litro de álcool. Um homem que não se rendeu ao condão resinoso das arábias, um homem que não se rende às facilidades da poesia, que não se renderá a si mesmo. Não me arrependo, contudo, de ter composto um poema para Pégaso. Pégaso, o nome do cavalicoque prestes.
             É-me indiferente. Eia! Voa, quadrúpede!


*** Citação:  "O cavalo morto", de Cecília Meireles. Se quiser, escute-a lendo esse poema aqui.
Share |