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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Pégaso, o coxo

Le cheval invisible ou Cheval blanc sur fond blanc


Pégaso, o coxo

         A dor que nos limita desenvolve-se, transcende sede, fome, desejo. Somos a gota que brota na pele de um cavalicoque espreitando o seu dia. O bicho não tem consciência, dizem, o bicho tem instinto, instinto de que vai morrer. Um fato, somente um fato, nem perguntemos quem haveria de tecer um necrológio, ou uma crítica com viés existencial ao descenso de um imperceptível cavalicoque, abandonado no meio do campo, coxo, tendo como legado sua própria sorte. Cecília, por exemplo, teceu um belíssimo poema. Cecília acreditou na morte e em algo para além da morte, fosse de uma desprezível besta cavalar, fosse de um animal mais reles ainda, bruto mesmo, um ser humano.
           Temo por nós, andadura claudicante de equídeos, meu pé e seu aleijão desconhecem incensos e torrões de cânfora que se esvanecem num litro de álcool. Um homem que não se rendeu ao condão resinoso das arábias, um homem que não se rende às facilidades da poesia, que não se renderá a si mesmo. Não me arrependo, contudo, de ter composto um poema para Pégaso. Pégaso, o nome do cavalicoque prestes.
             É-me indiferente. Eia! Voa, quadrúpede!


*** Citação:  "O cavalo morto", de Cecília Meireles. Se quiser, escute-a lendo esse poema aqui.
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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Jogo de especular


Jogo de especular

            O soldado foi então para os lados obtusos, fingindo-se de toiça, abusando da tática apreendida no quartel, nos dias de campo, e pum!, deram-lhe uma traulitada a chumbo tão certeira na cachola. A partir disso, pelo buraco do trabuco o destemido trêmulo teve que empreender uma espécie de sistema de recompensa. Alembrou-se do vale do café, do Paraíba, dos banhos pelados com a molecada que ainda não se importava com o tamanho do negócio. Alembrou-se das lavadeiras acocoradas incitando desejos, incitando que medissem o tamanho do negócio, manipulassem a textura de suas penugens, o valor agora.
            Um militar sem graduação, aquilo prestes a desconhecido mártir, uma sangueira dos diabos descia, abençoando o seu colo de não muito mais que um efebo. Recebia soldo, tinha que ser herói, porra! Decidiu-se pela relva, aquele leito que forrava os romances indigenistas lidos no Liceu. Tinha tanto descendência germânica, direta, pura, quanto o que há de mais impuro e belo nos batéis da pilantragem. O suor frio lhe banhava todo o corpo, misturando-se ao sangue, como que uma papa bem ralinha de nenê, talvez uma lactação para retribuir o que vivera até então sobre a terra.
          Um jogo de espelhos embaçados, mas que cintilavam abaixo da névoa. Consistia no seguinte o jogo, os espelhos eram os seus olhos e quem o via zoologicamente de fora, a criança. Sorrindo, feliz pelo passeio raro, lacuna de rotina, gazeteio de tédio,  isenção de culpa, filetezinhos de suor nas têmporas. Mamãe, o que é? Ah, filhinho, você nunca viu no porviroscópio do professor Benson um soldado morto? Mãe, ele parece que ainda está respirando. Sei, meu querido, mas ele não passa por mais um sol nem a pau.
            Aí, o recruta multiplicou-se irisado nos fragmentos de luz, quando lançaram uma granada no meio do jogo.

*** Imagem: A Dead German Soldier, in Scraped Links.
*** O "porviroscópio" fica por conta do sr. Lobato.
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segunda-feira, 25 de julho de 2011

Dos colibris



Dos colibris

           Suavidade ao favo de teu colo, bichinho. Sumo desejo sob a penugem, na pele caucásica. Sonho, o que me põe no teu regaço, o que me cauteriza as dores por meio da fascinação quando do olhar.
           Algumas aquarelas na sala retratando Paris, o mofo, algum verde, o mofo, uma ponte sob o mofo. Às margens de que Sena aquela Górgona me seduz? Medusa, cabelos répteis, suas serpentes em balé. Entanto nos olhos é que a coisa conflagra matérias. Havia de ser num passeio preguiçoso pelo diafragma, a abertura que focaliza apenas as circunstâncias mais próximas da ventura.
              Aguardando os colibris, uma arapuca feita de hidromel e liberdade na varanda. Que seja disparate, insensatez, absurdo, que seja a lâmpada assento para a luz, que seja apenas uma forma de dizer, o verbo cria. Se me pedem o discernimento, um pouco de sintaxe, a tradição de sujeito, predicado, complementos; sou criança, não me importo se balbucio, ou vocifero, permaneço mudando, movimento-me para lá, para cá, bagunço o que premeditaram à nascença da Razão.           
              Alfinetes enterram-se na textura aveludada, sanguinho de groselha a tirar para violeta, papilas tácteis na decisão da volúpia, as guelras de um peixinho beta vermelho, o que restou na lembrança alucinada de acordo com os desvios de ilusório crepúsculo, inocência corrosiva. Gostaria de afirmar que eu também amo os beija-flores e sua figuração para adictos.

***
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terça-feira, 19 de julho de 2011

Nhanhã



Nhanhã

"We are slaves to such words, and the mind that is a slave to words is never free of fear."
                                                                             Jiddu Krishnamurti

          Impressão: despertamos unicamente para nos iluminarmos com o matiz, as nuances advindas das flores de um ipê-roxo, pintado sob o bombardeio d'ouro do sempiterno segundo raio, no jardim suspenso do logradouro cama. Isso não nos impede de flatos e eructações, da vontade severa de urinar pela manhã e, quem sabe... Ariamos a dentifrício o branco que há na boca. Cobiçamos rápido. Rápido o café, a fim de minimizarmos os efeitos da halitose, provocada por cerca de oito horas de jejum. Mas o problema é que suscitamos o devaneio de há pouco, Francis Bacon articulava mais uma de suas telas escatológicas, desestilizando as musas de Fernando Botero. Daí uma síncope, esmorecemos e, desse modo, potencializamos o desejo venéreo. Convidei você para uma rapidinha, porque eu te amo o seu corpo de ninfetita piranhuda, você que consegue imbricar em suas hostes lilith aos arcanos da grande mãe, em letras minúsculas, de gente, e em ductos que nos rendem aos abissais do Supremo.
          O rebento-fêmea retirou-se a fórceps da repugnância que sentia pelas picuinhas do medo, depois passou numa loja de artigos religiosos, comprou uma cabeça de Buda, um coração de Jesus, uma guia de Ogum, embrulhou tudinho na sua inocência e me presenteou.
          A cópula da carne que nos intoxica de Deus não precisa de metáfora.
          Vindo de você, um beijo, um mamilo, um copo de pinga, uma côdea de Éter, uma flor de ipê, um embrulhinho com fezes, tudo me agrada.

*** Acima, cópia de quadro de Fernando Botero
*** "Intoxicar-se de Deus" é termo usual em Shri Ramakrishna.
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sábado, 9 de janeiro de 2010

Em nome da flor


flor p&b - by lppjunior


Em nome da flor

1.
A mônada centelha que se espatifou no Caos resolveu se ajambrar num terninho de carne e osso para sua sobrevivência amorosa.

2.
Que faz o silêncio todo de azul?!

3.
Eu penso e sinto a tua presença em cada vão que me preenche a alma, fazendo-me supor que sou um homem. Que não penso. Que não sinto. Que não, nada.

4.
É cada pedacinho de nanopartícula tão incompreensível quanto Deus.

5.
Tudo o que me leva a acreditar que as absurdidades são razoáveis se chama "flor". Ainda que não tenha existência comprovada pela Ciência e, por isso, não tenha sido divulgada pelas revistas científicas, eu creio na flor.



***
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Epifania de uma fagulha


helix - in enten katsudatsu


Epifania de uma fagulha

- para o enten katsudatsu Cássio Amaral

       Nascida de uma partícula rarefeita de energia luminosa, rútilo-cintilante, difundiu-se sobre, resvalou de leve na Lua, atravessou todas as tramas incendiárias do Sol e... desaba! O dia floresce em chamas. O que se evidencia não sei. Urge, surge de repente, precipita-se pelas hostes do silêncio. Se é claridade, brilho, fulgor, esplandece-se luminar, em essências de incenso e candidez. E assim vamos espargir um pouco do lume das efemérides à flor das águas primeiras. E assim se evolui, na mística visão de quem ama pelos seus olhos de ardentia... Tudo flameja por existência rara. As fibras tênues de seu espírito são, portanto, desses filamentos de luz incandescente que se arrojam como uma coroa de lótus, envolvendo delicadamente o sahasrara do Mestre.


*** Cássio Amaral é um bom poeta universal e à margem desse rótulo aí que eu acabei de inventar. Com alguns livros publicados, sua coragem estética ainda dá voz ao instigante blogue enten katsudatsu. Eu recomendo!
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terça-feira, 22 de setembro de 2009

Arábias



pés descalços
crisântemos amarelos
montanha ensolarada

- três versinhos da lírica


Arábias

1.
Tecida na luz macia, define seus movimentos nas firulas do sol uma película cigana. Um setembro que se ilumina e sustenta as promessas feitas ao sêmen do sr. Helianto. Um setembro para acariciar o tempo que insiste em preencher de flâmulas umedecidas aos seus cavaleiros de pólen.

2.
Pedimos perdão pelo vinho das aves aduncas, por seu azedume tinto. Perdão pela navalha em desvario, Senhor! Ofertamos a Vós tudo o que nos provê de ingenuidade primitiva. Ofertamos um pires com gengibre ralado.

3.
A esperança se compromete a longo prazo com os clichês de paz e amor e deslumbramento. Ainda que nos reste apenas uma côdea bem pequenina de pão integral, eu te amarei e nos pacificaremos. Assim é que todos os mitos do mundo, principalmente os eróticos, apreciam o nosso desapego. Suspirinho...

4.
Não nos iludamos, porém, porque tentarão nos secar em todos os humores e não nos oferecerão vapores d’água tampouco balões do mais puro oxigênio. Apenas nos ofertarão um cachorrinho-robô de madama, duas balas de menta com formigas e uma quantidade bastante desejável de opióides. Devemos, paixão de todos as minhas existências, preferir o sangue dos mártires e os pulmões depurados a tantos artifícios.

5.
À noite fui dormir com minhas barbas completamente encanecidas... Eu tive um pesadelo. Mas, quando acordei, percebi que minha vida só teria sentido na eternidade que nos infantiliza, por isso abri um buraquinho na caixa toráxica da Primavera e nos joguei naquele escaninho denominado Mandala do Sonho: pés descalços, crisântemos amarelos, montanha ensolarada...


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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

100% do livro





99% provem da visão.

E o % restante se divide entre:
audição, o barulhinho das folhas e da capa do livro ao serem manuseadas;
paladar, o dedo ao ser lambido para virar a página e, eventualmente, as lambiscadas nas passagens mais saborosas do livro;
olfato, o cheiro da tinta no papel do livro novo, ou o cheiro da experiência no pó e no mofo dos livros velhos;
tato, as mãos e os dedos que seguram o livro e percorrem com devassidão suas páginas.

***


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sábado, 31 de janeiro de 2009

Anotações para uma canção de amor


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1. Bata-me, coração, com teu látego bifurcado! Um: arabescos de miosótis. Dois: vértices de cintilância.

2. Os olhos abertos, na multidão de nenhures, a ver de que ceguidão se imbricam tantas modinhas.


3.

4. Ao patíbulo, a fim de que, se possível, um amoroso chacal me aflija com suas graças de mariposa.

5. Inocência procede. E desembrulha - papel-de-seda-e-sangue - do Rubayat o silêncio dos amantes.

6. Por uma fagulha, ainda que seja assim, de compaixão, apresente-nos deste espetáculo de fuga e contentamento que se chama pirotecnia, senhorita Arco-Íris.

7. As frescas da primavera na tua boca, Minha Amada.

8. E não posso, de modo nenhum, depois disso, implorar por Um Absoluto.

***

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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Oriente lunar


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Foi quando percebi algo numa diversidade celofane-fúcsia. Era nada comum o portão sem tranca àquela hora, naquela casa, e justo agora que estou aqui. Compreendendo que o inevitável queixa-se de pouca participação nos lucros da realidade, cheguemos a um consenso. Tão certo o meu erro que corri sem álibi. Ação! Progresso, pedi aos céus para estar ali por engano. Descontrolado, resssfoleganndo fofora do método cooper. Meti a mão na maçaneta forcei. Velozzz aí-ai! Havia me esquecido daquela samambaia chorona monstruosa dependurada no sem-espaço da entrada? A samambaia, porém, é um probóscide que nunca se esquece. O pipoco foi um só, num deu nem tempo de me despedir-psi... Constelação de Ganesha...

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quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Propaganda de cerveja sem modelo seminua



Mantenho uma boa quantidade de cerveja naquele isopor ali — com bastante gelo —, no freezer, na geladeira. A despensa está lá com alguns engradados para uma rápida reposição. Tenho também três contatos que me garantem entrega imediata, na temperatura ideal, caso me falte o produto. Me perguntam por que de tanta cerveja. As visitas, respondo. Ainda que não receba muitas visitas e nem com tanta freqüência assim. Mas eu penso longe. Se eu receber Deus, um dia. Ou Vosso Filho. Se eu receber, pior ainda, o Inesperado. O Capeta, as Parcas, Mefistófeles... E, veja bem, com todo o respeito, se eu receber nem que seja um encosto, um espírito mais zombeteiro do que o meu. Um caboclo de encruzilhada, que prefira goles amistosos de cerveja a periculosas talagadas de uca. É, eu penso longe. Por isso da cerveja. Sim, esse é o único motivo para a cerveja gelada.
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domingo, 14 de dezembro de 2008

Mãezinha

Mãezinha,

a senhora nunca precisou me perdoar.
O perdão era mais uma de suas práticas humílimas e, de certa forma, até invasoras. O perdão feito um artefato de usualmente, todos os dias, o dia todo, de minúscula formiguinha franciscana. Imperceptível. Imperceptível.
Só hoje percebo o quanto de desobediência havia na sua ética. Ética de fêmea. Você me acolheu em seu útero, né? Depois fabricou um mundo estrangeiro onde eu pudesse ser feliz.
Mãezinha, você morreu. O seu filho, entanto, não voltou do estrangeiro para enterrá-la.
O seu filho a trouxe para si.
Obrigado pelo leite, cara.

H.

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